Utilizar a retina como “espelho do cérebro” para diagnóstico do Alzheimer
Caracterizada pela perda gradual e irreversível de determinadas funções cerebrais, como a memória, a atenção e a linguagem, a doença de Alzheimer representa cerca de 60 a 70% dos casos de demência, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). O diagnóstico, que depende da realização de vários exames, não é fácil de fazer, e frequentemente é feito numa fase moderada ou avançada da doença. Assim, há uma necessidade urgente de identificar biomarcadores subclínicos que possam ajudar a diagnosticar precocemente o início da doença e de forma confiável.
Uma vez que a retina é um tecido do sistema nervoso central (tem a mesma origem embrionária que o cérebro) e é considerada uma extensão do cérebro, a equipa, coordenada por Francisco Ambrósio, explorou o conceito da “retina como um espelho ou janela para o cérebro”, isto é, a retina pode “mostrar” o que acontece no cérebro, no contexto de doença de Alzheimer.
Neste sentido, foi realizado um estudo longitudinal, único e inovador, com um modelo animal triplo transgénico da doença de Alzheimer (3×Tg-AD), um murganho que possui três genes humanos com mutações associadas a esta doença neurodegenerativa, no qual foram avaliadas em simultâneo as alterações da retina e do córtex visual, in vivo, em quatro tempos diferentes: 4, 8, 12 e 16 meses de idade. Foi também usado um grupo de controlo (murganhos saudáveis).
Os investigadores pretendiam encontrar respostas para questões como: partindo do pressuposto de que, na doença de Alzheimer, há alterações na retina, onde é que surgem as primeiras alterações? No cérebro ou na retina? Onde é que as alterações evoluem mais rapidamente? No cérebro ou na retina? Há alguma relação entre as alterações que ocorrem no cérebro e na retina? Quais são as regiões da retina ou do cérebro que são mais afetadas?
Os resultados, já publicados na Alzheimers Research & Therapy, uma das principais revistas internacionais na área das Neurociências e da Neurologia Clínica, indicam “a existência de alterações estruturais e funcionais na retina e alterações estruturais no córtex visual do modelo animal 3×Tg-AD. Estas alterações neurais poderão ser usadas como um biomarcador adicional para o diagnóstico precoce da doença de Alzheimer. Além disso, este trabalho reforça a possibilidade de se usar o olho como uma ferramenta adicional (de modo não invasivo) para o diagnóstico precoce e monitorização terapêutica da doença de Alzheimer”, afirma o líder do estudo.
A equipa, constituída também pelos especialistas Miguel Castelo-Branco, Rui Bernardes e Isabel Santana, realizou estudos com humanos, tendo confirmado “a existência de algumas alterações na retina e uma associação positiva entre as alterações no cérebro e na retina“, refere Francisco Ambrósio. No entanto, adverte, “para uma validação robusta da possibilidade de se usar a retina como biomarcador, é necessário aumentar o número de doentes”.
Mesmo assim, considerando que o diagnóstico precoce é crucial para um tratamento mais eficaz da doença de Alzheimer e que o olho permite realizar testes não invasivos, ao contrário do cérebro, “este trabalho constitui uma abordagem bastante relevante para a prática clínica. Face aos resultados obtidos, seria interessante que os neurologistas ponderassem a prescrição de testes da retina, por exemplo, uma tomografia de coerência ótica (em inglês, OCT), um exame de rotina rápido e simples e que não é muito dispendioso, que permite avaliar a espessura das camadas da retina, contribuindo assim para a validação do método no diagnóstico precoce da doença de Alzheimer”, conclui o investigador.
O estudo foi realizado no âmbito do projeto “Alterações cerebrais na doença de Alzheimer: a retina como um espelho do início e progressão da doença?”, distinguido com o Prémio Mantero Belard e Prémios Santa Casa Neurociências 2015, e também financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e por fundos europeus (FEDER e COMPETE 2020).
13 Janeiro 2020
Oftalmologia