Obras impressionistas ou pintores míopes?

Segundo o neurocirurgião australiano Noel Dan, as paisagens vagas características nos quadros de Monet, Degas ou Renoir devem-se, em boa parte, à miopia destes pintores impressionistas.
A visão é de extrema importância para os artistas. No entanto, algumas das maiores obras dos pintores impressionistas podem ter sido resultado de uma visão deficiente, de acordo com um artigo publicado no Journal of Clinical Neuroscience por Noel Dan. Para o neurocirurgião australiano, esta condição pode explicar as linhas suaves, a falta de pormenor e as cores vibrantes das obras de impressionistas como Monet, Renoir e Degas. Ou seja, os problemas de visão desses pintores estarão na base da preferência por cores fortes, em especial o vermelho, porque, no espetro de cores dos míopes, a parte azul é mais curta que a vermelha, portanto, veem o vermelho com mais nitidez.
Disfunção visual em artistas
Espelhamos aqui parte do artigo de Noel Dan, publicado em março de 2003, no Journal of Clinical Neuroscience:
A forma como um indivíduo vê o mundo é a combinação do olho – que constitui os mecanismos de receção da luz – e do cérebro – que possui a componente interpretativa. Se adotarmos uma abordagem filosófica, é possível argumentar que nenhum de nós ‘vê’ realmente da mesma forma. A experiência comum sugere que vemos, de facto, coisas semelhantes independentemente dos debates filosóficos. As distorções visuais seguem padrões reconhecidos e estes refletem-se em padrões de comportamento adquiridos. Por exemplo, há muito que se argumenta que os hipermetropes tendem a ser extrovertidos e indivíduos que gostam do exterior, ao passo que os míopes são considerados personalidades mais introspetivas, contemplativas e académicas. Por isso, não é de surpreender que os míopes sejam comuns nas escolas de arte. Uma vez que estes indivíduos veem objetos próximos, como a tela, mas têm uma visão desfocada para estruturas mais distantes, tendem a dar ênfase ao contorno de um objeto em detrimento do pormenor, particularmente quando o objeto está a uma certa distância. Os impressionistas enfatizavam a imagem momentânea e tendiam a enfatizar o contorno e a cor em detrimento do pormenor. Por conseguinte, é tentador atribuir o desenvolvimento do Impressionismo, pelo menos em parte, à visão míope dos seus proponentes. Entre os artistas do período impressionista e pós-impressionista, que se sabe terem sido míopes, contam-se Renoir, Cézanne, Pissarro, Degas, Dufy, Derain, Braque, Vlaminck, Rodin, Segonzac e Matisse. Há registos de que Cézanne e Renoir rejeitavam os óculos. Pierre Auguste Renoir ilustrava com mais pormenor os objetos próximos do que os que se encontravam ao longe. Este efeito acentuou-se com o tempo. Pode argumentar-se que a perda de pormenor estava relacionada com a progressão de um manifesto impressionista, mas pode ter sido o resultado da sua miopia crescente. Sabe-se que Renoir se afastava da sua tela para obter o efeito impressionista que os objetos mais distantes tinham para ele.
Edgar Degas tinha uma alta miopia, o que influenciou a sua arte ao longo da vida. Foi rejeitado pelo exército devido à sua baixa visão e foi perdendo progressivamente a acuidade visual. A família atribuiu este facto às suas atividades em Paris. Infelizmente, a verdadeira explicação é endógena. É possível que a sua personalidade, alegadamente tímida e retraída, esteja também relacionada com a sua miopia. A perda de visão tornou-se tão grande que, na parte final da sua vida, utilizou fotografias de modelos e cavalos para os colocar ao seu alcance visual. Devido à sua visão deficiente, trabalhou progressivamente com pastéis em vez de óleos. Na última parte da sua vida, quando já não conseguia pintar, esculpia, criando maravilhosos desenhos mais pelo tato do que pela visão. Tinha o benefício da fotografia, que lhe permitia conservar imagens para interpretação posterior. A escultura tornou-se a forma de arte dos seus últimos anos de vida, porque podia confiar mais no tato do que na visão.
Auguste Rodin era míope, por isso, evitava geralmente a produção de grandes obras de escultura. O seu trabalho “Portas do Inferno” é, na realidade, um conglomerado de pequenas esculturas e não uma única estrutura gigantesca. Um possível benefício da sua miopia foi a atenção ao pormenor, que era tão bem transportado para as esculturas que, durante a sua vida, foi acusado de fazer moldes em vez de esculpir as imagens.
Uma outra consequência da miopia é a ênfase no vermelho, uma vez que a extremidade azul do espetro visual é focada mais rapidamente do que a extremidade vermelha, o que faz com que o míope veja os vermelhos mais claramente do que os azuis. Embora as cataratas, mais tarde, possam também ter contribuído para uma mudança para o vermelho, a análise de obras anteriores de Renoir, como “Le déjeuner des canotiers”, em comparação com obras posteriores, como alguns dos seus nus ou “L’Escalier, Argel”, permite apreciar um forte ênfase nos vermelhos, que se desenvolveu numa altura coincidente com a sua miopia crescente.
Resumindo, teria existido o Impressionismo caso estes artistas tivessem usado óculos ou pudessem ter tratado dos seus problemas visuais? Segundo um historiador de arte – que já faleceu -, esta teoria de Noel Dan é um “perfeito disparate”. John House, do Courtald Institute of Art, em Londres, afirmou na altura que “a pintura impressionista é muito consciente e que estes artistas sabiam, deliberadamente, o que estavam a fazer”.
Fontes:
Journal of Clinical Neuroscience
Volume 10, Issue 2, March 2003, Pages 168-170
“Impressão: nascer do sol” (em francês: Impression, soleil levant), Claude Monet’s, 1872
Pormenor de “O Almoço dos Barqueiros” (em francês: Le Déjeuner des canotiers), Pierre-Auguste Renoir, 1880
“A Escada, Argel” (em francês: L’escalier, Alger), Pierre-Auguste Renoir, 1882
24 Abril 2025
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